Ivermectina: por que não é indicado usá-la contra a COVID-19?

Estudos que sugerem eficácia da substância contra o novo coronavírus são frágeis; não há evidências para suportar o uso do medicamento no contexto da pandemia.

Vira e mexe, as redes sociais voltam a compartilhar “soluções” para a pandemia de COVID-19. Eventualmente, as postagens são motivadas por estudos científicos, porém extrapolam suas conclusões e frequentemente ignoram as ressalvas feitas pelos próprios autores dos trabalhos. É o caso de um pré-print (isto é, um trabalho ainda não revisado por pares) divulgado na plataforma Research Square por um grupo internacional de pesquisadores, ao qual atribui-se a conclusão de que a ivermectina seria 75% eficaz na redução das mortes por COVID-19.

Logo na primeira página, lê-se, em letras vermelhas, que “pré-prints são relatórios preliminares que não passaram por revisão por pares. Eles não devem ser considerados conclusivos, usados para informar práticas clínicas ou referenciados pela mídia como informação validada”. No artigo em questão – uma análise de 18 ensaios clínicos que buscaram investigar a eficácia da ivermectina contra a COVID-19 –, os autores ressalvam que boa parte dos estudos incluídos na análise não foram publicados ainda, e que as características desses estudos (por exemplo, a dosagem ou a duração do tratamento) são heterogêneas, o que dificulta a comparação de seus resultados. Eles também sugerem que, antes de solicitar às autoridades regulatórias a aprovação da ivermectina como tratamento para a COVID-19, é necessário realizar ensaios clínicos maiores e mais robustos.

“Os autores foram bastante honestos, pois deixaram claro que não há homogeneidade nos estudos incluídos na análise e, também, que a maioria desses estudos é de baixa qualidade”, avalia a farmacêutica Claudia Garcia Serpa Osorio de Castro, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz. “Portanto, seria leviano fazer qualquer afirmação a favor ou contra a ivermectina a partir dessa análise”. A conclusão, embora frustrante, é clara: não existem evidências de qualidade que justifiquem o uso da ivermectina como tratamento de pacientes com COVID-19.

Reposicionamento de medicamentos

Desde o início da pandemia, a comunidade científica busca tratamentos capazes de curar a COVID-19 ou, pelo menos, reduzir a necessidade de internação ou a morte de pacientes. Um dos caminhos para isso é avaliar se alguma droga já existente é capaz de tratar a infecção causada pelo novo coronavírus.

Com essa motivação, pesquisadores testaram se a ivermectina era capaz de inibir a replicação do novo coronavírus em células cultivadas em laboratório. Embora os resultados tenham sido positivos, entre a bancada de laboratório e o organismo humano há uma grande distância, e o que funciona em um contexto pode não funcionar no outro. Por exemplo, se, em laboratório, podemos testar doses altas da ivermectina, em pessoas, é preciso se certificar de que a dosagem não seja tóxica ao organismo, causando efeitos colaterais sérios.

O fato de a ivermectina ser aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para tratamento de sarna, piolho, oncocercose e filariose não é garantia de que o medicamento funcione contra outras doenças, como a COVID-19. “A aprovação da Anvisa, isto é, o registro sanitário, pressupõe uma indicação clínica. Quando se submete à Anvisa o pedido de aprovação de uma droga, se apresenta os resultados de testes realizados para aquela substância com uma indicação clínica específica”, explica Castro. Antes de pedir à Anvisa que aprove o reposicionamento de uma droga, ou seja, seu uso em outro contexto, é preciso realizar novos testes e obter evidências robustas de eficácia.

Baixa probabilidade

Há meses, diferentes grupos de pesquisa vêm avaliando o uso da ivermectina contra o novo coronavírus. Na plataforma ClinicalTrials.com, que registra ensaios clínicos em andamento, há mais de 50 estudos com esse objetivo – alguns já concluídos, outros em andamento ou iniciando o recrutamento de pacientes. “No Brasil, só com ivermectina, há pelo menos nove estudos registrados no Conselho Nacional de Ética em Pesquisa”, destaca a pesquisadora. “Também há mais de 20 estudos de reposicionamento de outras drogas. As pesquisas estão em andamento. Mas, antes de ter resultados robustos, não podemos recomendar o uso dessas substâncias”.

Para Castro, o fato de já haver tantas pesquisas com ivermectina sem dados conclusivos é um indicativo de que a substância tem baixa probabilidade de ser um bom tratamento para a COVID-19. A especialista ressalta, também, a importância de se avaliar a qualidade dos estudos, usando parâmetros como a quantidade de pacientes incluídos e a reprodutibilidade dos resultados.

Ainda, propõe uma reflexão sobre a ética das pesquisas com possíveis tratamentos contra a COVID-19. Cita, para tal, o exemplo da cloroquina, outro medicamento testado contra a doença. Depois de vários estudos realizados, não há evidências que comprovem sua eficácia. “É hora de abandonar [o medicamento] e passar para o próximo da fila, não vale mais o investimento. Não há justificativa para submeter os voluntários de pesquisa a uma situação assim”, pondera Castro.

A especialista critica o chamado “kit COVID”, conjunto de medicamentos sem comprovação distribuídos para tratamento da COVID-19, e diz que não há nem mesmo justificativa para o chamado uso off label da ivermectina ou de outros medicamentos. “Às vezes, o uso de uma droga contra determinada doença ainda não está registrado pela agência reguladora, mas existem evidências na literatura científica e o médico assume o risco de utilizá-la mesmo assim. No caso de tratamentos contra a COVID-19, não existem evidências. E, se não há eficácia comprovada, a única coisa que resta é a insegurança”.


1 thought on “Ivermectina: por que não é indicado usá-la contra a COVID-19?

  1. Olá,
    Parabenizo pelo artigo publicado na página do CNPq e para a pesquisadora Cláudia Castro da Fiocruz. Informo sobre o Editorial: COVID-19 and the rush for self-medication and self-dosing with ivermectin: A word of caution, publicado na revista One Health.
    Estou divulgado várias iniciativas para educação da população e abandono desta prática constante. Trabalho com ivermectina desde 1994 (25 anos) e os efeitos colaterais nunca foram tanto descritos.
    abs.
    Marcelo Molento, UFPR

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